Permita-se sentir dor, mas não vire emo


Em algumas culturas é feio demonstrar dor.
É sinal de fraqueza demonstrar fragilidade ou chorar.
Na cultura japonesa, por exemplo, a morte é motivo de festa, a perda de um ser amado é comemorada como se fosse um ganho.
Na cultura européia e americana, um homem demonstrar emoções é sinal de fraqueza e chega a ser constrangedor para os outros.
Hoje eu tive uma grande perda que não sei se posso chamar de perda.
Porque não se pode perder algo que não teve.
Conheci uma grande mulher e três meses depois ela morre.
Uma morte estúpida.
Assim como toda morte é estúpida.
Toda perda é estúpida.
Às vezes da vontade de achar Deus estúpido.
Já que para quem acredita nele, ele é o dono dos destinos.
Nessa condição humanóide, ridícula e imperfeita onde viver é um exercício primitivo para a morte, só o que nos resta é deixar a dor se espalhar.
Permitir-se sentir dor é o que nos resta nessa nossa humanidade ridícula.
Deixar a dor invadir, entrar, se apossar e percorrer as vísceras.
Tem gente que tenta consolar, dizendo: "um dia vocês vão se ver de novo", "não fica assim, isso vai passar", "você precisa ser forte para continuar", "foi melhor assim", "não perca as esperanças", "não deixe a tristeza tomar conta de você".
E mais um monte de frases como essas que não anestesiam.
Todo dia a gente perde alguma coisa.
Um cachorro, um emprego, um companheira de uma vida toda ou de um começo de vida, uma amiga muito querida, um passarinho, um peixinho que amanhece boiando, uma tartaruga que finalmente diz adeus, um objeto que se quebra e era carregado com nossas memórias.
Nessa hora o importante é dar espaço para a dor.
Ficar dois dias na cama, em um bar bebendo todas, revirar fotos, reviver momentos em solidão e, acima de tudo, derramando lágrimas amargas.
Praguejando contra os deuses.
Permita-se chorar, porque é a maneira de amaciar um pouquinho uma pancada de pedra, um dedo no olho, uma sacanagem da vida.
É também de extrema importancia que se saiba o momento em que a tristeza é suficiente.
O minuto em que as lágrimas precisam secar, senão todo o esforço em permitir-se viver uma emoção forte transforma-se em comodidade e depressão.
Sempre há alguém que depende de mim, que depende de você.
No mais ficar na dor é comodidade.
Permita-se sentir dor, mas não vire emo.

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