É proibido proibir


Em um dia a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) decide proibir o uso de remédios para emagrecer que agem no sistema nervoso central, depois de abrir uma consulta pública propondo novas restrições à venda de cigarros na sua cruzada antitabagista.
Noutro dia, o deputado estadual Vinicius Camarinha, do PSB de São Paulo, apresenta projeto na Assembléia Legislativa para inibir os fumantes nas praças e áreas ao ar livre em geral.
A cada dia surgem novas iniciativas nos Executivos e nos Legislativos dos três níveis de poder propondo algum tipo de restrição, proibição ou punição para o consumo de diferentes produtos e serviços.
Tramitam neste momento no Congresso Nacional mais de 200 projetos com variadas restrições à atividade publicitária, a exemplo da propaganda de alimentos e refrigerantes.
Estamos vivendo a era das proibições. Todo dia leio em algum jornal ou vejo na TV algum político idiota sugerindo uma proibição nova. Como se fazer leis proibitivas fosse a solução final para todas as “inseguranças” do homem e da sociedade moderna. Em nome do sono tranqüilo de meia dúzia de caretas, mauricinhos, burgueses, chatos, burocratas, republicanos de direita, proíbe-se qualquer coisa que venha ameaçar a falsa segurança dessa elite bunda mole. E assim começam os estados totalitários onde proibir é a única política.
Nos anos 60 e começo dos 70, que descambou na Primavera de Praga, período em que o mundo todo lutava por liberdades civis, tais como o fim do racismo, das ditaduras militares, ditaduras políticas, pelo direito das mulheres de votar e participar ativamente das decisões da sociedade organizada e até de gozar, pela liberdade de expressão e respeito às diferenças, época em que surgiu o movimento Flower Power, ou o movimento hippie, onde a palavra de ordem era liberdade e a frase “É proibido proibir” escrita nos muros da França pelos estudantes que faziam movimentos civis, ouvindo um bom rock no fundo, que incentivaram gerações a dar valor à liberdade, parece que tudo isso, todo esse esforço, foi jogado fora. Os jovens de hoje não se rebelam, se curvam, aceitam e até concordam com essa balela de proibir.
É mais cômodo proibir do que educar. Proibir aumenta o poder do Estado e alimenta a indústria da corrupção, dá mais dinheiro com multas ou o guaranazinho dos guardas. Ao invés de ensinar ou punir de verdade quem burla a lei, melhor tirar uma grana dos otários e soltar.
Alcoólatra e pedestre que sou, estou indignado com essa porra dessa lei do bafão, a tal da Lei Seca. Nêgo continua atropelando, matando, vai preso por um dia, sai e se quiser volta a dirigir. O certo seria punir severamente quem infringe a lei, de políticos corruptos, empresários que mamam no nosso dinheiro, juízes calhordas e motoristas homicidas. Todos deveriam ser severamente punidos. Não o pobre coitado do alcoólatra pedestre, como eu.
Por conta dessa lei, meus amigos pinguços que tem carro andam com medo de sair e biritar. Medo de pagar R$ 900,00 de multa e perder a carteira, mesmo sem atropelar velhinha, cachorro, gato ou periquitos. Ou pior, ser achacado por policiais militares que vão te dar uma dura, uma lição de moral, e depois exigir um guaranazinho de 300 contos. Se bem que parece que pode pagar em “três vez”, como diz o guarda.
Tanto que eu vinha com um amigo que tem carro e não se acovarda com essas chantagens baratas do Estado, quando de repente uma blitz na frente. Ele vinha fumando um baseado com uma mão e na outra uma latinha de cerveja, o volante parece que tava entregue as patas. O maluco jogou fora a lata de cerveja sem o guarda ver, mas o baseado ele se esqueceu de jogar. Quando chegamos à blitz o guarda gritou pra gente “passa, passa... mané... essas porras só têm um baseado”... disse o guarda olhando pro sargento. Fomos pra outro bar comemorar o fim da proibição da maconha, bebendo cerveja.
É muita proibição pra uma policia só.

Comentários

Rodrigo disse…
Rapaz! Agora vc disse tudo! Teve as moral completa!
Unknown disse…
E o vírus se espalha
(publicado no Amálgama)

Há tempos os sensatos avisam que é necessário impedir a transformação do interesse coletivo num pretexto para restringir as liberdades individuais. Que os desafios do mundo contemporâneo exigem mais tolerância e menos opressão. Que as legislações proibicionistas voltadas ao consumo de substâncias estão fadadas ao fracasso. E finalmente que a própria filosofia da limitação de direitos pode alimentar sucessões crescentes de arbitrariedades, chegando a exageros tenebrosos e talvez irreversíveis.
Ninguém ouviu. Afinal, se nos acostumamos à inútil Lei Seca em estádios paulistas ou à escandalosa proibição da Marcha da Maconha, certamente aceitaríamos qualquer tirania gratuita que viesse acompanhada por certa aura civilizada e saneadora. Assim nasceu a perseguição ao tabaco. Primeiro endossamos os mentirosos ataques aos fumódromos. Depois permitimos que a ingerência estatal sufocasse o livre-arbítrio de proprietários e clientes. Então aceitamos que as milícias expulsassem os fumantes até das calçadas adjacentes aos bares e restaurantes. Agora, graças a uma iniciativa do deputado estadual Vinicius Camarinha (PSB), estamos prestes a ver praças, parques e praias tomados pelo expurgo antitabagista. Praias, senhoras e senhores.
Amedrontados com a inevitabilidade da descriminalização das drogas (em especial da maconha) e constrangidos pelas incoerências de um sistema tributário-consumista que não dá a mínima para a saúde do cidadão, os legisladores de índole retrógrada tomam caminho oposto ao do bom-senso. Criam instrumentos para excluir da vida social todos os abelhudos que tiverem a pachorra de menosprezar o culto à longevidade, esse deus enganador que ilumina o conservadorismo planetário. No limite, contribuem para destruir a alteridade, forjando uma sociedade homogênea e falsamente “saudável” dominada por eleitos que obedecem a determinados padrões físicos e comportamentais. Numa versão politicamente correta de eugenia, o Estado penaliza contribuintes adultos, honestos e conscientes, impedindo-os de gozar prerrogativas legítimas em pleno espaço público, só porque uns Mengeles da sociabilidade afirmaram que inexistem “níveis seguros” para a permanência deles entre os “normais”.
A caça aos fumantes baseia-se no repertório de mistificações que costuma povoar os mais variados ambientes totalitários. O tal “direito de não ser incomodado”, que só contempla uma parte da população, é típico do fascismo. Em nome do bem-estar coletivo, hansenianos e portadores de outras doenças também foram perseguidos e confinados. Obesos e homossexuais sofrem discriminações por motivos parecidos. A classe médica, incapaz de lidar com fumantes longevos e atletas enfartados, dá embasamento pseudocientífico a truculências profiláticas que jamais ousaria cometer, por exemplo, contra as fumaças do transporte urbano ou os agrotóxicos cancerígenos. E a OAB silencia diante dessa inconstitucionalidade flagrante, uma entre dezenas que fazem a vergonha do Supremo Tribunal Federal.
Depois de iniciada, a epidemia repressiva apodrece os órgãos da sociedade, todos, sem exceções legalistas que nos protejam. Combatamos a escalada autoritária enquanto ainda podemos denunciá-la.

http://guilhermescalzilli.blogspot.com/

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