Cérebro de maracujá eletrônico

O tempo é irmão quando se sabe surfar nele e a morte é um impulso primitivo que encarada de frente torna a vida um processo mais leve.
A lenda urbana que diz “Na vida você pode escolher entre ser o arco, a flecha ou o alvo” fala de livre arbítrio, escolhas que o mortal sem noção de porra nenhuma pode ir tomando no percurso da sua existência marromeno.
A melhor escolha, me parece, é ser a flecha voando em direção ao desconhecido, sem pressa de chegar ao alvo, pois o alvo é o fim da viagem.
Divagando sobre flechas e alvos me pego em uma sala do Joãozinho Lucinho, ala infantil do Hospital João Lucio que fica na zona leste da Barelândia, área da cidade com mais problemas sociais por ser a mais povoada e uma grande favela sem esgoto, sem calçadas e ser vista somente como um grande celeiro de votos para políticos oportunista surgidos de programas de televisão policialesco de quinta categoria onde pobres são filmados apanhando da polícia por terem roubado galinha.
Entre um camburão e outro desovando pobres baleados pela polícia eu chego a sala da neurologista que vai analisar uma tomografia que fiz no próprio hospital para ver se a cegueira momentânea que ando tendo quando tomo banho é fruto de algo no cérebro.
A primeira coisa que ela disse quando viu minha tomografia foi que meu cérebro é de maracujá, enrugado, tipo cérebro de pessoa de sessenta anos, mas que estava em ordem, sem problemas maiores. Tenho somente 52 anos, faltam oito para sessenta e ainda bato um bolão. Disque!
Falei para a neurologista que passei parte da minha vida ingerindo substancias que matariam um cavalo.
Ela disse “Está explicado”.
E eu disse “É, mas eu já enterrei um monte de neguinho”.
Sai morto de felicidade doido para bebemorar a boa notícia de que meu cérebro é de maracujá eletrônico e não tenho nada além do que pressão alta.
Quanto a flecha voando em direção ao alvo, que o alvo se foda!
O vento batendo na cara é o que importa.

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